IDEB - Por um resultado que não deforme nossos objetivos maiores: das aprendizagens
IDEB - Por um resultado que não deforme nossos objetivos maiores: das
aprendizagens
Márcia Giupatto
Não fui à escola, acompanhei os
fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa.
Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem
ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e
Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da
delação; mas o diabo do tambor... ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de
Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.[1]
O leitor pode julgar provocativo iniciar esse texto com este excerto do
“O conto de Escola” de nosso mestre Machado de Assis. Mas ele justamente expõe,
de maneira até indigesta, como as relações que são estabelecidas nos espaços
escolares podem transformar ou corromper.
O INEP divulgou o resultado do IDEB 2017 – o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica. No sentido mais utilitarista, nesse momento eleitoral, devemos
estar muito atentos aos dados de cada Estado e da Nação em geral para analisar
as propostas dos diferentes candidatos e poder decidir sobre o rumo queremos em
nossa educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos: como previsto
em nossa Constituição Federal, que comemora 30 anos de sua promulgação em 2018.
No entanto, o principal intuito desse texto é provocar uma reflexão sobre os
desdobramentos dos resultados das avaliações em larga escola nos espaços
escolares, a partir do diálogo aberto com você leitor, por isso não deixe de
colocar a sua opinião ao final desse post
Nosso desempenho nacional ainda está abaixo das metas na maior parte dos
três ciclos avaliados para o ensino público. Os dados apresentados na maior
parte da mídia televisiva e mídia impressa incluem nos índices os resultados
das escolas privadas[2].
Desagregando os dados, temos:
Tabela com resultados e metas -
IDEB 2015-2017 nos diferentes ciclos de ensino
Figura 1:nota 0-10
Fonte:
http://ideb.inep.gov.br/resultado/ (acesso em 05/09/2018)
Para 2017, o resultado em relação à meta foi:
Ciclo de
ensino
|
Resultado em relação à meta (2017)
|
EF anos
iniciais
|
0,30%
|
EF anos
finais
|
-0,30%
|
E Médio
|
-0,90%
|
Fonte:
http://ideb.inep.gov.br/resultado/ (acesso em 05/09/2018)
Para 2021, a meta é que os estudantes obtenham um resultado em torno de
6,0, numa escola de zero a dez, nos
diferentes ciclos.[3]
Começo esse texto com o seguinte questionamento: em que medida esses
resultados revelam a qualidade da aprendizagem dos estudantes?
É possível aferir a qualidade do ensino por meio da combinação de resultados de desempenho, em exames padronizados a partir de matrizes baseadas em competências recortadas do currículo, com informações sobre rendimento escolar, entendido como aprovação dos estudantes? Primeiramente, é relevante discorrer sobre a avaliação em si.
É possível aferir a qualidade do ensino por meio da combinação de resultados de desempenho, em exames padronizados a partir de matrizes baseadas em competências recortadas do currículo, com informações sobre rendimento escolar, entendido como aprovação dos estudantes? Primeiramente, é relevante discorrer sobre a avaliação em si.
É consenso de que a avaliação em larga escala é um elemento comum
presente em uma agenda global de políticas públicas de educação. O argumento
que a sustenta é indiscutível: sendo a educação um direito garantido pela
constituição, é indispensável que a aprendizagem seja passível de mensuração com
a finalidade de saber e informar à sociedade se a aprendizagem dos estudantes está
sendo garantida. E no caso dos resultados esperados não serem alcançados, as
redes devem trabalhar no sentido de superar os resultados não satisfatórios com
a finalidade de que os estudantes aprendam. Sendo assim, as avaliações em larga
escala permitem subsidiar as tomadas de decisão sobre o processo pedagógico de
aprendizagem.
Exemplo que corrobora com as afirmações acima são os objetivos descritos
no Caderno Pedagógico relativos ao Sistema de Avaliação de Rendimento escolar
(SARESP):
·
Subsidiar a Secretaria de Educação na tomada de
decisão quanto à política educacional;
·
Verificar o desempenho dos alunos da educação
básica para fornecer informações a todas as instâncias do sistema de ensino que
subsidiem a capacitação dos recursos humanos do magistério; a reorientação da
proposta pedagógica das escolas, de modo a aprimorá-la; a viabilização da [4]articulação
dos resultados da avaliação com o planejamento escolar, capacitação e o
estabelecimento de metas para o projeto de cada escola. (SÃO PAULO, 1996, p. 7).
Em um estudo realizado por Sousa e Oliveira (2007) sobre sistema de
avaliações estaduais, os pesquisadores apresentam a importância que as
avaliações externas têm tomado na prática pedagógica das escolas e apresentam o
que os documentos oficiais das redes mencionam sobre seus objetivos:
Os objetivos da avaliação, declarados nos documentos
oficiais, tendem a afirmar como expectativa que a avaliação venha a subsidiar os
diferentes níveis do sistema na tomada de decisões com vistas à melhoria da
qualidade do ensino. Desse modo, espera-se que os resultados da avaliação venham
a ser apropriados pelos gestores e equipes centrais e regionais das Secretarias
de Educação, bem como pelas escolas, havendo a menção ainda em alguns estados
que a comunidade escolar como um todo envolvendo alunos e pais – venha a se
inteirar dos resultados obtidos pelas escolas.
Outro desdobramento dessa publicização dos resultados é o nível de
responsabilização dos profissionais da educação, passível de questionamento.
Nosso sistema de avaliação torna público os resultados do país, das diferentes
unidades da federação e também dos resultados por escola. Isso por um lado
permite que a sociedade possa analisar os resultados obtidos pelos estudantes
nas diferentes escolas para participar e discutir junto à comunidade escolar o
Plano Político Pedagógico das escolas. Mas também resulta na responsabilização
simbólica em algumas redes, e material em outras, principalmente, dos
diretores, coordenadores pedagógicos e professores de cada escola. Quando não ocorre
o alcance dos resultados esperados, na maior parte das vezes, a
responsabilização recai nos profissionais de cada escola, ficando assim na
superficialidade do problema sem atuar nas causas mais sistêmicas, inclusive, isentando
os gestores públicos da responsabilidade que lhes é cabida. Essa
responsabilização é muitas vezes assumida integralmente pelos próprios
professores. Exemplo disso é o depoimento de uma professora apresentado numa
pesquisa acadêmica, cujo objetivo era investigar em que medida os resultados
das avaliações eram utilizados para uma autoavaliação institucional no
município de Jaguarão no Rio Grande do Sul.
O resultado destas provas é ruim
porque a gente fica com vergonha, mas é um jeito do governo fiscalizar o que a
escola faz (, 2016)
Ainda que essa responsabilização possa ficar
no nível não-material e de não judicialização em alguns sistemas, não é pouco.
Há um desdobramento ainda mais perverso.
O principal consiste na constatação de que na tentativa de responder a
uma demanda por resultados, passe-se a operar sobrepondo as matrizes de
avaliação ao currículo. Em outras palavras,
dá-se maior ênfase aos conteúdos e habilidades que estão presentes nas
avaliações externas em detrimento de outros elementos do currículo, inclusive
os de caráter não cognitivo, que são desenvolvidos a partir das relações
sociais estabelecidas nas rotinas escolares, nas diferentes propostas
pedagógicas como valores, atitudes, modos de organização dos tempos, respeito à
diversidade e formação para a cidadania. Além disso, a busca por resultados
pode se desdobrar na prevalência e valorização de determinadas disciplinas,
dando maior ênfase ao arbitrário cultural dominante. De acordo com Chinérea e
Brandão (2015, p.14):
Enquanto indicador de resultado e não de qualidade, o
IDEB se mostra incapaz de retratar de forma completa a realidade das
instituições escolares, porque existem outras variáveis que interferem na
qualidade da educação, como; gestão escolar; formação e condições de trabalho
dos professores ambiente educativo; prática pedagógica e de avaliação; acesso e
permanência na escola. A qualidade, neste sentido, não é um fator estanque e
não pode ser buscada somente com testes que medem o conhecimento cognitivo dos
alunos.
De acordo com essa lógica, esse indicador de resultado, embora não possa
ser entendido como indicador de qualidade absoluto, aponta para a sociedade, em
âmbito local e nacional, que parte de que o ensino-aprendizagem está abaixo do
que se espera e, desse modo, é imprescindível que haja mudança na prática pedagógica nas unidades escolares mas também que haja tomada de decisão nos diferentes
âmbitos das secretarias de educação. Destaca-se ainda que há esforços
significativos das redes na tentativa de melhorar a qualidade das aprendizagens
dos estudantes. Infelizmente, muitas vezes, parte das iniciativas, estão mais
direcionadas a melhorar os resultados, mas isso nem sempre parece estar muito
claro para a própria rede.
Redes de maior porte, como secretarias estaduais, por exemplo, distribuem
cadernos com itens da prova comentados a fim de que os profissionais das
escolas possam compreender e utilizar o documento como base para planejamento
escolar, decisões sobre o ensino, para a formação de professores e para compreender
o próprio formato de prova. Em algumas há, inclusive, um dia destinado à
análise dos resultados, previsto dentro do calendário escolar. Na prática
pedagógica, há uma dicotomia na utilização desses cadernos de divulgação de
itens.
Se por um lado, permite compreender como os estudantes são avaliados,
quais as habilidades e seus diferentes níveis de complexidade, oferece também
recurso para análise dos distratores de cada questão e o que dizem sobre o
aprendizado. Nesse sentido, a divulgação de parte das questões para os
professores tem a finalidade de subsidiar o trabalho pedagógico da escola,
entendido como identificação das principais lacunas de aprendizado dos
estudantes, inclusive seus padrões de resultado e, a partir da identificação da
potencialidade de cada estudante, intervir para que aprendam o que lhes é garantido
legalmente.
Por outro lado, um desdobramento não intencionado pode ser o de incorrer
num estreitamento do currículo. A partir
do momento em que há uma priorização no trabalho pedagógico com as habilidades
das avaliações externas, deixando em segundo plano outros elementos de grande
relevância na formação de um cidadão crítico-participativo que requer conhecimentos
advindos dos saberes disciplinares assim como os saberes socialmente
construídos, que possibilitem mudanças individuais e sociais, o trabalho
pedagógico no nível escolar perde o seu sentido, pois passa a ser direcionado
não para a formação integral de cada estudante, mas sim para aquilo que é
determinado pela avaliação em larga escala, principalmente em razão da pressão
por alcance de metas, sobretudo quando envolve questões materiais, como a política
de bônus. Além desse estreitamento curricular, pode ocorrer a corrupção da
própria prática pedagógica.
Uma pesquisa desenvolvida por Paulo Henrique Arcas (2009), cujo objetivo
era o de identificar eventuais repercussões do SARESP na avaliação escolar, a
partir da análise das características e tendências das práticas escolares após
a implementação do sistema, constatou que essas avaliações externas
influenciavam as avaliações internas dos professores de uma diretoria regional
de ensino que fizeram parte da pesquisa, que passaram a ter esse instrumento (prova
do SARESP) como parâmetro para a elaboração de suas próprias avaliações
internas, o que revela um equívoco das finalidades maiores da avaliação
escolar, num entendimento no mínimo equivocado do que seja avaliar.
A tendência que identificamos neste estudo em relação
às concepções e práticas avaliativas desenvolvidas no interior das escolas é de
ser orientada por uma perspectiva de avaliação que encontra no SARESP um modelo
a seguir. Portanto,[...], esse modelo gera o fortalecimento de práticas mais
tradicionais, de uma avaliação que não leva em conta as diferenças e que
promova práticas de ensino menos individualizadas e mais padronizadas. (ARCAS,
2009, p.157)
Uma outra pesquisa, veiculada na Revista Brasileira de Educação, (Bayer et. al, 2017), revela que 1.302
municípios, de 4.309 cidades que responderam à pesquisa, disseram ter sistemas
de avaliação próprios para avaliar seus estudantes. Dentre as principais
motivações para realização dessas avaliações: 43% indica que a principal
motivação é o diagnóstico, acompanhamento e monitoramento do
ensino e das aprendizagens, 30,6% apoio ao gerenciamento educacional, 13 %
melhoria dos índices educacionais. Quanto ao uso dos dados dessas avaliações,
os dados mostram que 91,3% indica que os dados servem para motivar as escolas e
buscarem melhoria nos resultados, dar algum tipo de prêmio aos alunos (13,3%),
dar algum prêmio às escolas (9,5%), oferecer bônus salarial aos professores
(6,3%). Ou seja, as motivações parecem não dialogar com o uso efetivo dos
resultados.
A
mensagem subliminar, ou não, revela que há uma crença de que os resultados
motivam os professores a ensinar “mais e melhor”, uma ideia redicionista do
problema. Em outras palavras, a responsabilização recai sobre um profissional
apenas, como se ele fosse o responsável pela não aprendizagem, o que não
colabora com a instituição de uma cultura de investigação, reflexão e ação a
partir da análise dos aspectos mais complexos que envolvem uma rede pública de
educação.
Os
dados das avaliações externas são, portanto, indicadores relevantes para tomadas
de decisão sobre a gestão da aprendizagem nas diferentes instâncias das
secretarias de ensino, além e principalmente para as intervenções pedagógicas
para que os estudantes aprendam. Também poderiam servir, já que também são
aplicados questionários socioeconômicos, para elaboração de políticas públicas
e ações em outras esferas sociais para diminuição da desigualdade que tanto
impacto exerce no desempenho dos estudantes. Segundo apontamento
demonstrado por Silva (2010, p. 434):
Apesar de o nível socioeconômico ser um determinante
presente no questionário de contexto aplicado no Saeb, ele não é considerado a
contento na constituição, divulgação e exploração dos indicadores de qualidade
de ensino produzidos pelo governo e nem considerado seriamente na agenda de
rede na definição de políticas públicas, como, por exemplo, no Plano de Ações
Articuladas (PAR3 ), proposto pelo MEC por meio de convênios com os entes
federados, previsto no Decreto-Lei n. 6.094, de 24 de abril de 2007. O que se
percebe é que as notas referentes ao desempenho estudantil são supervalorizadas
e destacadas enfaticamente em detrimento de outros determinantes de igual ou
maior relevância na mensuração da qualidade do ensino.
Para
aferição da qualidade da educação a equação é bem mais complexa. Demos um passo
significativo com a aprovação da Lei 13.005/2014 que instituiu nosso Plano
Nacional de Educação. A questão que se
apresenta agora é em que medida as políticas públicas educacionais estão
voltadas para a implementação do plano com vistas ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e
igualitária para todos ou vamos incorrer no risco de termos uma escola que além
de não garantir qualidade, entendida como o desenvolvimento integral dos
estudantes, os expulsa simbolicamente, como o fez com o personagem Pilar do
conto de Machado, pois muitos
estudantes, sobretudo os do Ensino Médio, não veem na escola o sentido para a
vida prática e acabam sendo excluídos pelo mesmo sistema que deveria garantir a
sua permanência.
Referências
bibliográficas
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sobre o impacto nas práticas pedagógicas e na gestão da escola. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no
contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira, 2016.
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2016.
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[1]
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000268.pdf
(acesso em 03/09/18)
[2]
Na nota técnica do INEP é informado que a denominação “total” apresenta dados
considerando escolas públicas e privadas. Esses foram os dados selecionados
pela imprensa para informar aos espectadores.
[3]
Para identificar as metas de cada ciclo, consultar www.inep.org.br e/ou http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf
[4]
Exemplo de responsabilização material é o Bônus por Mérito da SEESP, vinculação
entre resultado das avaliações e o pagamento de bônus, cujo cálculo baseia-se
no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP), o qual
tem como um de seus critérios o desempenho dos alunos nas provas de língua
portuguesa e matemática do SARESP, além da aferição das taxas de aprovação e
desempenho. Lei Complementar no 1.078/08 e Resoluções SEE nº 21/09; 22/09;
23/09 e 26/09.
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