Base Nacional Comum de formação de Professores (BNC-professores ) - por uma qualificação do debate público a partir da participação democrática


Márcia Giupatto





Viveremos um momento decisivo para a qualificação da formação de professores no Brasil em 2019. Sem adentrar no mérito da crítica às ações em curso até o momento, a iniciativa do MEC no lançamento da versão preliminar da Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNC-Professores) se constitui como o início de um processo que tem potencial para qualificar o debate público sobre o tema e ao mesmo tempo garantir a definição de diretrizes a partir da participação dos profissionais do setor, de forma crítica e democrática. Ao longo do ano de 2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) fará a elaboração da versão definitiva. Nesse ínterim, a participação de diferentes setores da sociedade é determinante para termos um documento final que aponte ações para qualificar os processos de formação inicial e continuada dos professores. 



No Brasil, as diretrizes atuais para a formação de professores usam indistintamente termos como educação, formação, capacitação que trazem no seu escopo não apenas uma disputa de conceitos ou uma “flutuação terminológica” (CANÁRIO, 2013, p. 32), mas que podem favorecer o desenvolvimento de programas e projetos em que não está muito clara a sua intencionalidade: a de uma educação como um bem social ou de uma educação como um serviço, com desdobramentos que afetam as políticas públicas e as práticas educacionais, com efeitos sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente e impacto na educação dos estudantes. 


Hoje a formação inicial deficitária de professores (RANSOLIM,2011), somadas às incoerências de algumas instituições responsáveis por cursos de formação, que ora discursam sobre a importância da valorização dos saberes e práticas docentes, mas em cuja prática reside a crença, quando não a aposta, da malformação dos professores que se traduzem na oferta de propostas didáticas prontas como forma de instrumentalizar e “garantir” um aperfeiçoamento da prática pedagógica de professores podem levar, não garantida a participação democrática, ao aparelhamento do setor, a partir da influência de setores interessados na comercialização de produtos formatados, estando os docentes com formação precária mais suscetíveis à influência de pacotes de formação e materiais instrucionais (CASTRO e AMORIM, 2015, p. 37) prontos a serem consumidos. 


Percebe-se como uma tal prática transpira autoritarismo. De um lado, nenhum respeito à capacidade crítica dos professores, a seu conhecimento, à sua prática; de outro, na arrogância com que meia dúzia de especialistas que se julgam iluminados elabora ou produz o ‘pacote’ a ser docilmente seguido pelos professores que, para fazê-lo, devem recorrer aos guias. (FREIRE, 2001, p. 71)






Na mesma linha, a influência de organismos internacionais na definição de políticas de formação continuada, cujas propostas muitas vezes estão mais voltadas para priorização da relação custo/benefício, pode tanto favorecer a entrada de entidades mais interessadas na comercialização de seus produtos do que na melhoria da educação pública, como também na precarização da oferta de formação com maior potencial de qualificar a formação docente: 






Em el nível superior, a veces se puede prescindir totalmente de los locales. Por ejemplo, las universidades abiertas para estudiantes de ensefianza superior motivados cuestan mucho menos que las universidades convencionales. (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 67) 






De outro lado, a formação dos profissionais adultos requer alguns pressupostos essenciais para que seja garantido o impacto em sua prática pedagógica. Segundo Nóvoa (1988, p. 128-9), a formação de adultos deve seguir alguns princípios: 






§ “O adulto em formação é portador de uma história de vida [...] Mais importante do que pensar em formar este adulto é tentar reflectir sobre o modo como ele se forma”;


§ “A formação é sempre um fenômeno de cunho individual, na tríplice dimensão do saber (conhecimento), saber-fazer (capacidades) e do saber-ser (atitudes)”; e


§ “Formar não é ensinar às pessoas determinados conteúdos, mas sim trabalhar colectivamente em torno da resolução de problemas. A formação faz-se na ‘produção’, e não no ‘consumo’, do saber”. 






Nesse sentido, as diretrizes do MEC/CNE para a formação docente podem respeitar a capacidade crítica dos professores, seus saberes e práticas, trazendo-os a participar para qualificar o debate sobre formação, reforçando valores sociais da modernidade, pautados na solidariedade, na colaboração e atuação em rede colaborativa na viabilização de processos, com respeito à diversidade sociocultural e incentivo à participação crítico-emancipatória dos cidadão ou, na posição oposta, podem estar voltadas para o mercado globalizado que aposta em ações para que as pessoas se adaptem à configuração do mercado de consumo. Mais do que aguardar o que vem por aí, é necessário o engajamento dos profissionais da área e do terceiro setor para a qualificação do debate público para a definição dessas diretrizes e sua posterior execução. A priori, parece haver uma real intenção, por parte dos redatores do CNE, pela participação democrática, mas isso também exige de nós a participação, o engajamento e o estudo para essa construção.






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